O suposto milagre terminou numa polêmica questão religiosa, ainda hoje não resolvida. Dentro da Igreja, ou mais precisamente no seio do clero, o chamado "Milagre de Juazeiro" foi tratado como fato natural, superstições vãs, evoluiu para embuste até que, em 1989, 100 anos depois, a psicóloga paulista Maria do Carmo Forti, hoje professora e ouvidora da Faculdade de Medicina de Juazeiro, deu outra interpretação ao fenômeno, restaurando a memória da beata Maria de Araújo, que foi ultrajada, vilipendiada e humilhada.
Na visão de Maria do Carmo, a principal protagonista do suposto milagre da hóstia, foi a beata Maria de Araújo. A psicóloga, que veio ao Cariri fazer pesquisas sobre o tema da religiosidade popular, se apaixonou pela região. Tanto que largou tudo em São Paulo - onde tinha bom emprego e onde residem seus familiares - e fixou residência em Juazeiro do Norte.
Na interpretação da pesquisadora, "a beata não foi uma embusteira e não se pode reduzir a sua figura aos fenômenos acontecidos com ela, chamando-a de alienada, de alguém fora da realidade, de um símbolo de atraso cultural e ignorância religiosa. Ela foi mística no sentido nobre da palavra, como também foram São Francisco de Assis, Tereza D´Ávila, João da Cruz, os grandes místicos europeus".
Os estigmas que também se verificava em
Maria de Araújo, segundo Maria do Carmo, são resultados, certamente, da imaginação emotiva dela, da influência de seu psiquismo sobre o organismo e demonstram, acima de tudo, o quanto a crença na paixão de Jesus Cristo influía em sua vida. "A presença do sangue na hóstia consagrada pode ser atribuída, em princípio, se olhar com os olhos da Parapsicologia, a um ´caso de aporte´", complementa.
O professor de Parapsicologia, padre Óscar González-Quevedo, o padre Quevedo, afirma que o aporte é realizado mais frequentemente por mulheres, por serem mais emotivas, especialmente antigamente, eram mais marginalizadas. Nos desequilíbrios psicossomáticos, surgem mais facilmente as "descargas" parapsicológicas.
Neste novo enfoque, segundo a psicóloga, o sangue era mesmo real, sadio. Ela ressalva, usando a palavra provavelmente, já que não foi feito exame de laboratório na época, da beata, descartando-se, então, segundo afirma, a hipótese do embuste. Na verdade, hipótese semelhante já havia sido levantada à época da ocorrência do chamado milagre, pelo doutor Júlio César da Fonseca Filho que, em carta endereçada ao bispo dom Joaquim José Vieira, atestou que "o fenômeno da beata não se tratava de impostura nem de simulação, mas de histerismo", lembra a psicóloga, explicando que "antes do milagre, Maria de Araújo era conhecida como uma pessoa mística. Sua espiritualidade era tanta que alguns sacerdotes, entre eles, padre Quintino, primeiro bispo da Diocese do Crato, a procuravam para rezar juntos".
A beata dizia que conversava e brincava com o Menino Jesus. Visitava o céu e o inferno. Estas afirmações foram desconsideradas pelo bispo do Ceará, dom Joaquim Vieira, e tidas como mais uma heresia, mas a Parapsicologia pode dar outra interpretação: bilocação, presença simultânea de uma pessoa em dois lugares diferentes. Muitos santos da Igreja Católica tiveram o carisma da bilocação. A transformação da hóstia em sangue, segundo a psicóloga, foi o coroamento da sua espiritualidade.